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Andy Warhol e a Pop Art Brasileira conversam em São Paulo

Andy Warhol e a Pop Art Brasileira conversam em São Paulo

Entusiastas da pop art podem aproveitar a oportunidade para visitar São Paulo, onde, aparentemente por acaso, duas grandes exposições complementares estão sendo realizadas por várias semanas. Uma é dedicada a Andy Warhol (1928-1987), uma estrela global e um dos artistas mais influentes do século XX, graças a um conjunto de obras que parece feito sob medida para estes tempos de Instagram e fama passageira. Os visitantes podem se reconectar pessoalmente com os originais de obras centrais do imaginário popular, como Marilyn Monroe, Mao e Pelé, o Rei do Futebol. A outra é uma exposição coletiva, uma imersão no que era a Pop Art brasileira nas décadas de 1960 e 1970, no auge da ditadura, por meio da obra criada por cerca de 100 artistas. Aqui, a crítica política é um ingrediente essencial, juntamente com ícones como Che Guevara, Roberto Carlos e, sim, até mesmo Pelé.

"Roupas de Trabalho", de Warhol, em primeiro plano, ao lado dos retratos de "Victor Hugo", na exposição do Museu FAAP, em São Paulo, na última terça-feira. Lela Beltrão

Os organizadores atribuem a coincidência das duas exposições na grande metrópole brasileira ao mero acaso. Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração, 1960-70 é o título da principal exposição da temporada na Pinacoteca, um museu público. A exposição, que acaba de ser inaugurada, reúne 250 obras de cerca de 100 artistas, incluindo um número significativo de artistas femininas que os curadores selecionaram para colocar em destaque ao lado de seus contemporâneos masculinos. A exposição ficará em cartaz até outubro e depois viajará para o Malba, em Buenos Aires, Argentina.

Andy Warhol: Pop Art!, que será encerrada no final do mês no Museu de Arte Brasileira (FAAP), é considerada a maior exposição fora dos Estados Unidos dedicada ao artista singular, autopromotor incansável e fundador da The Factory, em Nova York. A exposição reúne 600 obras originais do Museu Warhol em Pittsburgh, epicentro da indústria siderúrgica e cidade natal de Andrew Warhol.

A icônica pintura intitulada 'Mao', em exposição no Museu FAAP até o final do mês.
A icônica pintura "Mao", em exposição no Museu da FAAP até o final do mês. Lela Beltrão

A pop art deu seus primeiros passos no Reino Unido, mas atingiu seu auge nos Estados Unidos. Embora a pop art tropicalizada brasileira compartilhe cores intensas, humor, ironia, imagens da televisão e da publicidade, e técnicas de reprodução industrial como a serigrafia, ela possui características distintas que a distinguem do estilo americano, explica Pollyana Quintella, uma das curadoras, em entrevista na Pinacoteca. “Enquanto os Estados Unidos passam por um processo de industrialização plena e criam uma sociedade de consumo com produtos de qualidade produzidos em massa, no Brasil a industrialização é mais contraditória e tardia, repleta de conflitos. Aqui, a execução das obras é mais precária.”

Uma pintura da série de Warhol dedicada às latas de sopa Campbell e exposta em São Paulo, no Museu FAAP.
Pintura da série Latas de Sopa Campbell's, de Warhol, exposta no Museu da FAAP, em São Paulo. Lela Beltrão

Nos Estados Unidos, o lúdico prevalece, e a crítica social é mais cínica, diz o especialista. Durante esse período, o Brasil sofreu os anos de regime militar, que paralisou o Congresso e intensificou a censura. Essa atmosfera repressiva e sombria foi desafiada pelos criadores. "Os artistas brasileiros entendem a arte como um instrumento de transformação social e abraçam seu papel político, intervindo no debate público", enfatiza Quintella.

Visitante na exposição 'Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração, 1960-70', na Pinacoteca de São Paulo, na última terça-feira.
Visitante da exposição 'Pop Brasil: Vanguarda e Nova Figuração, 1960-70', na Pinacoteca de São Paulo, na última terça-feira. Lela Beltrão

Algumas das obras fazem referência à resistência à censura ou à criminalização da pobreza. Foi nesse contexto que nasceu uma das obras icônicas desse período no Brasil: a gravura com o lema "Seja marginal , seja herói " (Hélio Oiticica, 1968). Ela mostra um homem morto no chão, de braços cruzados, tendo se suicidado ao ser encurralado pela polícia. Essa foi uma das faixas serigrafadas que protagonizaram o chamado " Happening das Bandeiras" em uma praça próxima à Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, promovido por um grupo de artistas ávidos por virar as costas aos museus, ocupar as ruas e democratizar a arte. É irônico que, quase seis décadas depois, essas peças , localizadas uma a uma com enorme esforço, nos recebam solenemente em uma galeria de arte.

Um retrato de Pelé por Warhol na galeria dedicada aos atletas.
Um retrato de Pelé, feito por Warhol, na galeria dedicada aos atletas. Lela Beltrão

A exposição de Warhol estava lotada de visitantes em um domingo recente. Poucos perderam a oportunidade de tirar uma selfie ou posar ao lado dos retratos de Elvis, Liza Minnelli, Blondie ou da reinterpretação singular do líder do Partido Comunista Chinês. Warhol, com um olhar para os negócios e outro para questionar os limites da arte, convenceu pessoas ricas e poderosas nos Estados Unidos a comprar uma pintura do Camarada Mao para suas salas de estar em 1973, um ano após a visita histórica do presidente Nixon a Pequim e em plena Guerra Fria.

As latas Campbell's, que o lançaram ao estrelato, reinam em uma das galerias do museu FAAP, que expõe outros objetos do cotidiano que Warhol reinterpretou muito antes de o verbo entrar no vocabulário. Também estão em exposição peças de seus primeiros dias como cartunista para marcas de luxo, filmes experimentais e várias séries de suas famosas Polaroids, a marca registrada daquela fábrica de arte nova-iorquina onde festas lendárias se misturavam a figuras consagradas do mundo da arte, do rock e da moda. Esses retratos um tanto amarelados mostram quem é quem do momento: Muhammad Ali, Bianca Jagger, Truman Capote, Sonia Rykel...

Uma das famosas séries de Polaroids de Warhol, com retratos de Mick Jagger, Diana Ross, Blondie, Liza Minnelli, Lennon e Yokohama, entre outros.
Uma das famosas séries Polaroid de Warhol, com retratos de Mick Jagger, Diana Ross, Blondie, Liza Minnelli, Lennon e Yokohama, entre outros. Lela Beltrão

A duas estações de metrô de distância, de volta à Pinacoteca, a obra Adoração (Nelson Leirner, 1966) brinca com a ambiguidade, com uma silhueta neon de Roberto Carlos cercada por santos católicos, que é ao mesmo tempo elogio e crítica. O verdadeiro Roberto Carlos se envolveu e compareceu à inauguração. Na mesma sala, astronautas assistem, de uma pintura na parede oposta, a outras estrelas brasileiras, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Elis Regina, que estrearam em competições populares de televisão.

A Pop Art brasileira também explorou o desejo feminino e a desigualdade, o grande flagelo que assola o país há séculos. Vale lembrar que "Elevator Social" e "Elevator Service" (1966), de Rubens Gerchman, são exibidos juntos pela primeira vez. Longe de serem uma relíquia, elevadores classistas que distinguem entre inquilinos e funcionários são comuns em torres de classe média alta.

Gilberto Gil, Roberto Carlos e outros artistas são retratados em pinturas de pop art brasileira na exposição, que fica em cartaz na Pinacoteca até outubro.
Gilberto Gil, Roberto Carlos e outros artistas são retratados em pinturas da pop art brasileira na exposição que fica em cartaz na Pinacoteca até outubro. Lela Beltrão

Essas duas exposições de pop art são acompanhadas por Pelé, uma homenagem ao seu papel como o brasileiro mais universal de todos os tempos. Ícone global, sua arte futebolística coincidiu com a chegada da televisão a milhões de lares ao redor do mundo. Ao lado dele, outras pinturas celebram a seleção nacional que elevou o Brasil aos céus ao vencer cinco Copas do Mundo. "Fizemos uma pequena seleção", diz o curador, "porque seria necessária uma exposição inteira de pop art e futebol apenas."

EL PAÍS

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