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Eduardo Cárdenas: "Contar a história da família Bunge é como entrar na história argentina pela cozinha."

Eduardo Cárdenas: "Contar a história da família Bunge é como entrar na história argentina pela cozinha."

Chegar ao Pasaje Lanín em Barracas é como estar fora da cidade: casas com azulejos venezianos coloridos nas paredes, canto de pássaros e ruas sem carros. Quando Eduardo Cárdenas, ex-juiz de família, professor universitário aposentado e escritor, descobriu o bairro, sabia que queria um espaço ali: comprou um terreno baldio, ligou para o amigo, o arquiteto Rodolfo Livingston , e disse: "Gostaria de um espaço sem linhas retas porque vivi toda a minha vida no direito". O portão se abre e é difícil acreditar no que se vê: um jardim selvagem com uma pequena cachoeira, patos dormindo ao sol e esculturas que resistem ao teste do tempo (tudo a 40 quarteirões do Congresso Nacional). Cárdenas nasceu em Buenos Aires em 1945, estudou direito na Universidade Católica Argentina e sempre se interessou por saúde mental e família. Foi membro da Comissão de Proteção Judicial de Pacientes Mentais e foi coautor, com José A. Álvarez e Ricardo Grimson , de uma obra sobre hospitalização psiquiátrica. É também apaixonado por história, filosofia política e arte. Em colaboração com Carlos Payá, escreveu biografias de Manuel Gálvez, Emilio Becher e Ricardo Rojas , e La familia de Octavio Bunge (A família de Octavio Bunge) (Eudeba), em três volumes (os dois primeiros já haviam sido publicados pela Sudamericana; o terceiro e o último são inéditos).

A família de Octavio Bunge Eduardo Cárdenas, com Carlos Payá Editorial Eudeba" width="720" src="https://www.clarin.com/img/2025/06/27/iiQzWIidW_720x0__1.jpg"> Família de Octavio Bunge Eduardo Cárdenas, com Carlos Payá Editora Eudeba

Contar a história da família Bunge é como entrar na história argentina pela cozinha. É como quando você é convidado para uma festa e todos os convidados estão lá — o bispo, o embaixador, o político, todas as figuras importantes —, mas o elevador quebra e você entra pela lavanderia e vai para a cozinha. Lá, você percebe que a moça não está pagando a conta do bufê, por exemplo, e ouve todas as vozes sobre como a festa é construída. Esses livros tentam ser exatamente isso: contar como a Argentina do século XIX foi construída", explica Cárdenas sobre o motivo de sua biografia coletiva.

–Por que você achou interessante abordar a história dessa família nesse período histórico?

–Carlos Payá e eu havíamos escrito a história de Manuel Gálvez, o romancista argentino, e como ele era casado com Delfina Bunge, tivemos acesso ao seu diário, que ela escreveu desde os 15 anos, em 1890, até sua morte em 1952. Esse diário é algo inédito na literatura argentina: não conheço nenhum outro caso de diário mantido por uma adolescente que fale de seus amores, de seus colegas de escola, de seus amigos, de sua família, por tantos anos e onde também estivessem capturados seus pensamentos filosóficos e poéticos: era um diário fascinante.

–Delfina se tornou uma grande escritora, amiga íntima de Victoria Ocampo, não é verdade?

– Sim, entrevistamos Victoria Ocampo para contar esta história e, embora tenhamos começado com a ideia de escrever sobre a vida de Delfina, à medida que nos aprofundamos, percebemos que ela não era apenas uma flor isolada no meio de um terreno baldio, mas sim parte de um grupo de pessoas que cresceram em um ambiente intelectual intenso. Seu bisavô veio da Alemanha e se casou com Genara Peña Lezica na Argentina. Embora nenhum membro da família tenha se tornado presidente, eles sempre estiveram próximos do poder e da cultura.

Eduardo Cárdenas estudou direito na Universidade Católica Argentina e sempre se interessou por saúde mental e família. Foto: Guillermo Rodríguez Adami" width="720" src="https://www.clarin.com/img/2025/06/27/CK-OevWYY_720x0__1.jpg"> Eduardo Cárdenas estudou Direito na Universidade Católica Argentina e sempre se interessou por saúde mental e família. Foto: Guillermo Rodríguez Adami

Seu bisavô era um pastor protestante da Alemanha e ganhava a vida com o comércio, uma atividade que continuou a exercer na Argentina. A geração de Delfina incluía oito irmãos, todos interessados ​​em cultura, filosofia, direito e política. Um deles era um deputado socialista e havia conduzido um estudo sobre a situação das classes trabalhadoras e as soluções de seguridade social oferecidas na Alemanha. Outro, Alejandro, havia estudado economia e foi um dos pais da economia moderna na Argentina, incorporando matemática e ideias industrialistas. Sua obra-prima é intitulada Uma Nova Argentina . Também estavam presentes Jorge Bunge, arquiteto e criador de Pinamar, e Octavio Bunge, que deu nome aos volumes. Todos eles se destacaram de alguma forma, então nos inclinamos a escrever uma história da família e, por meio dela, retratar a história argentina de 1880 a 1910.

–E como você reconstruiu essa história?

–Com muita produção: conseguimos cartas, coletamos de familiares que as tinham em gavetas, baús, agendas, diários de viagem, e todos muito generosamente nos cederam esse material.

–Quem você conheceu?

– Com bisnetos e netos, a história da família foi contada em três gerações. A primeira geração é a do comerciante Bunge, estamos falando de 1820 e 1830, quando o capitalismo tendia a abranger outras áreas e comerciantes estrangeiros chegaram ao Rio da Prata (em plena era Rivadavia) e começaram a forjar a relação entre Buenos Aires e a Europa e a estabelecer suas casas comerciais. O primeiro Bunge na Argentina casou-se com Genara Peña Lezica , que vinha de uma família patrícia. Esse casamento produziu oito filhos, que fizeram parte da Geração de 80. Os livros contam como essa geração se formou, como foram educados, como foram criados. Mas também o que buscavam quando se casavam e como eram os laços familiares que criaram, que também eram laços econômicos e políticos.

Eduardo Cárdenas Foto: Guillermo Rodríguez Adami " width="720" src="https://www.clarin.com/img/2025/06/27/CimGJwWZk_720x0__1.jpg"> Eduardo Cárdenas Foto: Guillermo Rodríguez Adami

–Como era a vida na Bunge socialista?

– O oitavo filho, chamado Octavio, casou-se com María Luisa Arteaga e teve oito filhos com ela, um dos quais era Augusto. Augusto Bunge era muito antirreligioso e muito próximo de Juan B. Justo. Ele estudou medicina e, naquela época, os médicos eram fortemente influenciados pelo socialismo, pois viam a necessidade de vacinação e educação nos bairros para higiene e preservação da saúde. Portanto, ele era um daqueles socialistas que iam de bairro em bairro dando palestras no estilo dos socialistas alemães.

–E além do Jorge Bunge, havia outro arquiteto na família, também muito conhecido...

– Sim, Ernesto Bunge foi quem projetou, entre outras obras, a Igreja de Santa Felicitas em Barracas. Ele também projetou o prédio da Escola Normal 1 e o antigo presídio da Avenida Las Heras. Eram homens que sempre pensaram em questões sociais. Embora fossem uma família influente política e culturalmente, não possuíam terras nem capital: muitos viviam de contratos firmados com o governo. Os socialistas chamavam essa classe de devoradora de orçamentos, pois devoravam o orçamento do Estado.

–E como se desenvolveu a terceira geração?

– Como eu disse, Octavio Bunge, que dá título aos livros e que se tornou presidente do Supremo Tribunal Federal, teve oito filhos que também se destacaram: Carlos Octavio era filósofo do direito, mas também escrevia romances e poesias. Era um homem multifacetado e era homossexual, numa época em que isso era um segredo e algo absolutamente reprimido. Encontramos cartas de sua adolescência muito fortes e muito críticas à classe a que pertencia. Carlos Octavio permaneceu afastado da família até a morte de seu pai, que o chamou do leito de morte para fazer as pazes.

Vitória Ocampo Vitória Ocampo

–Como você chegou em Victoria Ocampo?

– Soubemos que, na adolescência, Victoria Ocampo era fascinada por Delfina Bunge, que era um pouco mais velha que ela. É interessante ver nesse relacionamento os primórdios do feminismo na Argentina. Delfina não queria se casar nem fazer o que as mulheres de sua época faziam: alugar uma carruagem para passear nos bosques de Palermo ou ir aos carnavais de Bristol, em Mar del Plata. Ela preferia ler e escrever.

–Por que os livros terminam em 1910?

– Terminam em 1910, com a morte de Octavio Bunge. Para a história argentina, acho que 1910 é como assistir a um pôr do sol magnífico, que é provavelmente a coisa mais bonita que se pode ver durante o dia, mas termina quando o dia termina. Em 1910, uma nova ordem mundial começa quando a Alemanha e os Estados Unidos assumem o poder, e a Segunda Revolução Industrial acontece. O que não se sabia é que a Argentina acabaria pagando o preço na ordem internacional por estar apegada a um império em declínio. A partir daí, a história argentina se torna mais complexa; surgem novos problemas para os quais o país não estava preparado e, infelizmente, não está preparado até hoje. Ainda estamos vivenciando a queda do Império Britânico porque não pudemos, e não estou dizendo que não sabíamos como, nos integrar à nova ordem mundial.

Eduardo Cárdenas Foto: Guillermo Rodrñiguez Adami " width="720" src="https://www.clarin.com/img/2025/06/27/lHbQw1B9I_720x0__1.jpg"> Eduardo Cárdenas Foto: Guillermo Rodrñiguez Adami

–Você se considera peronista? Por quê?

– Sou peronista porque sou teimoso, porque o que o peronismo representa é a resistência. O peronismo nasceu quando o primeiro soldado espanhol atirou em um índio com um bacamarte. É então que os derrotados começam a construir a resistência, e o fazem usando as ferramentas dos conquistadores, mas para escrever suas próprias histórias. Essa é a ideia de Rodolfo Kusch, que para mim é um dos maiores intérpretes do peronismo, senão o melhor, e foi o homem que o Papa Francisco mais leu e ouviu.

Clarin

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