Actual Parlamento pode ser solução para reformar travão da dívida na Alemanha
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Com mais de um terço dos lugares no futuro Parlamento alemão a fugirem aos partidos do centro, conseguir encontrar uma super-maioria capaz de aprovar uma reforma à regra do travão de dívida pública pode ter-se tornado uma tarefa ainda mais difícil após o resultado eleitoral deste domingo. Para resolver este bloqueio, o líder da CDU Friedrich Merz abriu a porta a uma hipótese inesperada: avançar com a alteração constitucional recorrendo ainda ao actual Parlamento, que vai deixar de estar em funções dentro de um mês.
Esta solução de recurso avançada pelo vencedor das eleições deste domingo revela o sentimento de urgência que existe neste momento na maior parte dos políticos alemães, tanto em relação à economia alemã, que está estagnada há mais de dois anos, como no que diz respeito aos desafios ao nível da defesa trazidos pela mudança de estratégia dos EUA face à Europa.
O Estado alemão vai precisar, nos próximos anos, de ter um maior espaço orçamental disponível se quiser investir mais nas suas infra-estruturas obsoletas, gastar mais em defesa ou baixar os impostos sobre as empresas. E, para isso, tem de reformar a regra que limita o aumento anual da dívida pública a um valor equivalente a 0,35% do produto interno bruto (PIB), o chamado travão da dívida.
Isto é algo em que a posição da CDU de Merz se tem vindo a aproximar progressivamente das do SPD de Olaf Scholz e dos Verdes de Robert Habeck. Durante a campanha eleitoral, o líder dos conservadores assumiu pela primeira vez que poderia considerar uma reforma do travão da dívida, caso a mudança fosse no sentido de permitir a realização de mais investimento.
O problema é que, das eleições deste domingo, saiu uma composição do Bundestag que, em vez de tornar uma reforma desse tipo mais simples, pode mesmo tê-la complicado.
É verdade que a CDU (em conjunto com o seu aliado tradicional CSU) venceu as eleições, estando em cima da mesa a possibilidade de formar uma coligação maioritária com o SPD, mas esses dois partidos, mesmo juntando-se aos Verdes, deixaram de ter mais de dois terços dos deputados do Parlamento, o número indispensável para poder fazer uma alteração à regra do travão da dívida.
Isto aconteceu sobretudo devido ao crescimento do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que defende de forma rígida que o Estado não deve gastar mais do que aquilo que recebe, devendo o travão da dívida manter-se em vigor tal como está.
À esquerda, o Die Link não é um defensor do travão da dívida, mas condiciona a aprovação de uma reforma ao reforço do investimento e dos apoios sociais, recusando-se a aceitar que sirva para reforçar as despesas com a defesa.
Com mais de um terço dos membros do Bundestag a limitarem a sua acção nesta matéria, e com muita pressa para começar a tomar medidas (pretendendo ter um governo em funções até à Páscoa), Friedrich Merz parece disposto a arriscar uma solução quase inédita.
Esta segunda-feira, em declarações aos jornalistas, o líder da CDU lamentou que a AfD e o Die Link tivessem o número de deputados suficiente para bloquear alterações constitucionais, como a que seria feita ao travão da dívida, mas fez questão de lembrar que ainda era possível aos partidos do centro actuar dentro da actual legislatura, que apenas termina a 24 de Março. No actual parlamento, CDU, SPD, Verdes e Liberais têm mais de dois terços dos deputados.
“Antes de especular publicamente, permitam-me que fale sobre isso com os sociais-democratas, os liberais e também os verdes durante os próximos dias. Ainda temos quatro semanas para pensar sobre isto”, afirmou, acrescentando, citado pelo Financial Times, que o actual Bundestag “pode tomar decisões a qualquer momento”.
"O maior dos cuidados"Esta solução tem os seus problemas. Vários especialistas têm salientado as dúvidas a nível político e legal que podem ser lançadas pelo facto de um parlamento a funcionar já depois de eleições realizar alterações legislativas tão importantes.
Robert Habeck, dos Verdes, já se manifestou disponível para aprovar uma reforma do travão da dívida com o actual Parlamento, mas dentro do SPD o entusiasmo é menor. Jörg Kukies, que é o actual ministro das Finanças disse que uma mudança feita desta forma daria “um sinal político questionável” e Olaf Scholz, o ainda chanceler, optou pela prudência. “Havendo lugar a negociações, tudo poderá ser discutido, mas com o maior dos cuidados”, afirmou.
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