COP16 tenta (outra vez) decidir como usar 200 mil milhões de dólares para a natureza
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Todos os caminhos vão dar a Roma, dizia-se na antiguidade. Mas será que haverá consenso para decidir como financiar com 200 mil milhões de dólares anuais, até 2030, as acções necessárias para proteger a biodiversidade no nosso planeta? Entre terça e quinta-feira, as nações vão tentar, na capital italiana, um acordo na segunda parte da 16.ª Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade, a COP16, depois do impasse nas negociações da conferência em Cali, na Colômbia, em Novembro.
Uma novidade é que a ministra do Ambiente e Energia portuguesa, Maria da Graça Carvalho, vai estar presente nesta segunda sessão resumida da COP16 em Roma. “Isso é excelente”, comenta Francisco Ferreira, presidente da associação Zero. Graça Carvalho não tinha estado em Cali, que coincidiu com a discussão em Portugal do Orçamento do Estado para 2025, e na anterior conferência − a COP15, em Montreal − o ministro Duarte Cordeiro também não esteve.
À partida, as perspectivas não são as melhores. “As divergências entre a União Europeia, os países africanos e os da América do Sul, principalmente o Brasil, continuam em cima da mesa”, explica ao Azul Francisco Ferreira, que estava em Cali, no início de Novembro, quando a COP16 terminou suspensa abruptamente por falta de quórum.
As principais questões em liça são quem gere os fundos do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês): se continua a ser o Fundo Global para o Ambiente (o que defende a UE, o Japão e o Canadá, ou seja, o bloco dos países mais industrializados), ou se se cria um novo fundo, com um novo sistema de gestão e uma nova cadeia de responsabilidade, menos burocrático e mais acessível, como defendem os países em desenvolvimento.
200 mil milhões de dólares por ano, até 2030, é o dinheiro necessário para cumprir os objectivos do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal
“Este é um problema-chave, e nestes meses de intervalo, entre Cali e Roma, não se conseguiu obter consenso. A não ser que haja um volte-face, ou alguma forma de conciliação, continuaremos na mesma”, avalia Francisco Ferreira.
Concretamente, os países signatários da Convenção da Diversidade Biológica têm de decidir como arranjar 200 mil milhões de dólares por ano, até 2030, para cumprir a meta inscrita no Quadro Global da Biodiversidade, acordado na COP15, em Montreal.
O documento tem uma série de metas e objectivos a cumprir em matéria de conservação da natureza para que, até 2030, consigamos ter 30% do planeta sob alguma forma de protecção − e é preciso dinheiro para os concretizar.
“A UE e os seus Estados-membros continuam empenhados no cumprimento do Quadro Global de Biodiversidade”, afirmou a comissária europeia do Ambiente, Jessika Roswall, num comunicado de imprensa divulgado na segunda-feira. “Nestas negociações abreviadas, devemos encontrar um caminho em conjunto para continuar a mobilizar recursos de todas as fontes”, salientou.
Muito dinheiro“Estamos a falar de muito dinheiro e é dinheiros dos governos, não de privados. São 200 mil milhões de financiamento público para a biodiversidade até 2030, e também 300 mil milhões até 2035 para as alterações climáticas”, sublinha Francisco Ferreira, mencionando o acordado na última cimeira da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Baku, no Azerbaijão, para explicar como o problema é bicudo.
Ainda no capítulo do financiamento, é preciso decidir como vai funcionar o Fundo de Cali, aprovado na primeira parte da COP16, que será financiado com aquilo que as empresas ganharem com os lucros da informação genética da natureza. “Decorre sempre um tempo longo entre a criação e a operacionalização dos fundos. Veja-se o exemplo do fundo de perdas e danos, que foi criado em Sharm el-Sheikh [COP27 do clima], e só foi operacionalizado no Dubai [COP28], passado um ano”, nota Francisco Ferreira.
As perspectivas de sucesso não são as melhores, mas estas cimeiras nunca estão ganhas (ou perdidas) à partida. A presidente da COP16, a ministra do Ambiente da Colômbia (agora demissionária), Susana Muhamad, enviou aos países uma “nota com reflexões” relativas ao tema da “mobilização de recursos” − ou seja, o financiamento − com algumas ideias e, nomeadamente, sugestões de clarificação de linguagem.
Chegou mesmo a elaborar um glossário, para que as partes em negociação possam de facto ter um vocabulário comum, porque esse pode ser um dos principais problemas, disse a governante. “O desacordo pode, pelo menos em parte, radicar em diferentes interpretações dos termos usados”, escreveu, para tentar facilitar as conversações.
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