Há plantas portuguesas “muito procuradas” para fazer cosméticos e medicamentos: este projeto nasceu para lhes dar mundo
Desde a esteva, que cresce naturalmente nas florestas, até ao medronheiro, o objetivo do projeto PAM4Wellness era alinhar a produção portuguesa destas plantas aromáticas e medicinais com o mercado internacional e mostrar as potencialidades da sua utilização em cosméticos e medicamentos
As plantas aromáticas e medicinais foram o ponto de partida para um projeto que quer impulsionar um setor português que gera curiosidade em feiras internacionais. O PAM4Wellness pretendeu valorizar estas plantas ao orientá-las para a indústria farmacêutica e cosmética.
“Eu sentia a dificuldade em fazer uma ponte entre o conhecimento científico que existe na universidade e os produtores e a cadeia de valor, para depois impactá-los”, explica Ana Palmeira de Oliveira, docente da Universidade da Beira Interior responsável pelo PAM4Wellness. Num projeto anterior para caracterizar biologicamente as plantas aromáticas e medicinais produzidas em Portugal, Ana também se apercebeu da ausência de uma estratégia para este setor: “Os produtores produziam aquilo que o vizinho produzia ou aquilo que algumas associações ligadas ao setor primário os aconselhavam”, diz ao Expresso. “Era frequente ir a reuniões com produtores e eles perguntarem-me o que deviam produzir, mas eu respondia que dependia do que o mercado necessitava. Faltava construir isto”, conta a também Presidente da Associação Empresarial da Beira Baixa.
Para solucionar estes obstáculos, o projeto PAM4Wellness surgiu com o objetivo de capacitar a cadeia de valor das plantas aromáticas e medicinais portugueses, produzidas ou recolhidas da floresta durante os processos de limpeza, e aproveitá-las como matéria-prima valiosa para a indústria cosmética e farmacêutica. Para tal era crucial a capacitação para o negócio, que era “um ponto fraco do setor” devido à falta de organização.
O projeto estudou as plantas que são produzidas em maior quantidade em Portugal e cruzou-as com as necessidades da indústria de forma a encontrar as mais relevantes e formar um conjunto de orientações para o setor. “O projeto iniciou um processo”, explica a investigadora salientando que o diagnóstico para aferir se a produção está adequada às necessidades do mercado deve ser feito entre cinco e dez anos, de forma a garantir a competitividade das plantas aromáticas e medicinais portuguesas que “são muito procuradas pela indústria europeia para o setor da saúde”.
“Não podemos olhar para o mercado internacional e depois não termos capacidade de resposta, é o pior que pode acontecer”, alerta Ana Palmeira de Oliveira. Para evitar que isso aconteça é preciso profissionalizar o setor através da agregação da produção e estabelecimento de preços comuns. Era frequente, “por exemplo, que cada produtor vendesse o seu tomilho-limão para a França individualmente e colocasse a sua carga no camião da empresa que vinha buscá-la ao preço que tinha definido. Então, podíamos ter cargas de diferentes produtores em que cada um vendeu ao seu preço”, descreve.
Uma das “grandes vantagens” deste setor em Portugal é a produção quase exclusivamente biológica, o que permite constituir uma “marca nacional para colocar um chapéu de qualidade, de excelência, de rigor e de excecionalidade nas plantas aromáticas e medicinais produzidas em Portugal”. “Não queremos competir com os grandes produtores, por exemplo, de Marrocos que produzem a preços muito mais baixos do que nós”, mas “no mercado europeu para setores que procuram material vegetal ou extratos de muita qualidade e que pagam mais por isso”, afirma Ana Palmeira de Oliveira.
Numa feira internacional da indústria cosmética, a docente universitária recorda-se que, ao explicar aos empresários as particularidades do setor das plantas aromáticas e medicinais em Portugal, havia sempre muito interesse. “Quando eu disse a um dos grandes nomes na indústria cosmética de comercialização de extratos de plantas que quase 100% da nossa produção era em modo biológico, ele ficou entusiasmadíssimo”, conta.
As plantas produzidas podem ser utilizadas em cremes devido a extratos com propriedades de antienvelhecimento, como é o caso da esteva, uma planta endógena, que cresce naturalmente nas florestas, sendo “cortada todos os anos por causa da prevenção dos incêndios e é maioritariamente desperdiçada”. Além deste atributo também poderia ser aproveitada a resina que se forma com o corte da planta como fixador de perfume. A investigadora alerta, contudo, que “estamos mais familiarizados com as propriedades bioativas destes extratos numa lógica de indústria cosmética geral e não tanto de perfumaria”. Outra planta destacada neste projeto foi o tomilho-limão, muito procurado pela indústria, e cuja espécie portuguesa possui um conjunto de características químicas diferenciadoras. Também o medronheiro foi apontado como uma das plantas com maior potencial.
Como o PAM4Wellness tinha também o objetivo de orientar a produção para a indústria farmacêutica, disponibilizaram um conjunto de orientações para os produtores poderem adaptar a sua produção a uma indústria mais exigente. “Há regras muito próprias para poder classificar um medicamento à base de plantas, que tem de cumprir com monografias próprias da Agência Europeia de Medicamento”, explica. Os extratos destas plantas podem, por exemplo, servir para medicamentos para doenças hepáticas.
Durante o projeto transferiram ainda conhecimento, como um sistema de microrrega para poupar e avaliar os nutrientes na água e uma ferramenta de rastreamento de plantas. Ana Palmeira de Oliveira destaca como uma das maiores conquistas deste projeto a criação de um plano da Câmara Municipal de Proença-a-Nova para organizar os produtores e implementar verdadeiros modelos de negócio, além de criar infraestruturas logísticas. “O PAM4Wellness alimentou também a oportunidade de nascer uma iniciativa em Portugal para agregar e implementar uma estratégia de valorização do setor a nível nacional” porque “enquanto docentes universitários isso não faz parte da nossa missão, tem de haver uma estrutura que pega nesse conhecimento”.
A responsável do projeto alerta ainda que a produção de plantas aromáticas e medicinais “não é uma atividade menor, é uma atividade que é feita com muita dedicação”. “Se queremos um país mais equilibrado e em que regiões menos favorecidas tenham também oportunidades de abraçar novas áreas com mais desenvolvimento profissional, acho que este é um setor fundamental”, afirma.
O projeto PAM4Wellness desenvolvido pela Universidade da Beira Interior, em conjunto com o Instituto Politécnico De Castelo Branco, recebeu o financiamento de 950 mil euros através do programa COMPETE 2020, dos quais cerca de 808 mil euros são provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
Ana Palmeira de Oliveira considera que o investimento foi “fundamental” para criar uma equipa multidisciplinar e que sem este “seria impossível” contratar tantos recursos humanos e realizar iniciativas junto dos produtores. Sem este apoio, dificilmente conseguiriam desenvolver um projeto “que implementou processos e alimentou a implementação de iniciativas que podem ser transformadoras deste setor em Portugal”.
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