Uma em quatro mulheres sabe pouco sobre risco de recidiva

Uma em cada quatro mulheres que responderam ao questionário nacional lançado pela associação Evita admite saber pouco ou nada acerca do risco de recidiva do cancro da mama, a neoplasia maligna mais prevalente entre as mulheres em Portugal.
Segundo as conclusões do estudo, a que a Lusa teve acesso e que questionou mais de 1.100 mulheres de norte a sul do país, apenas uma em cada três dizem compreender perfeitamente o que significa este risco de recidiva, ou seja, de o cancro voltar.
“Ainda há muitas dúvidas”, diz a presidente da Associação Evita — Cancro Hereditário, Tamara Milagre, contando que este risco a acompanha desde os 14 anos, quando a mãe foi diagnosticada com cancro da mama, tendo vivido o resto da vida com medo de o cancro voltar.
Sublinha que, nomeadamente em mulheres jovens com cancro da mama, que têm, se tudo correr bem, muitos anos pela frente, “essa convivência constante com o medo e a ansiedade do cancro voltar é uma realidade”, insistindo na necessidade de garantir apoio psicológico.
O estudo pretendeu compreender como as mulheres portuguesas — tanto as que já foram diagnosticadas com a doença como aquelas que nunca viveram a doença na primeira pessoa — percecionam o risco de recidiva do cancro da mama e avaliar o grau de literacia em saúde sobre este tema.
“O que se destaca é que o conhecimento sobre a possibilidade do cancro voltar, ou recorrer, existe, mas um conhecimento mais aprofundado não existe”, refere Tamara Milagre, acrescentando: “é uma temática que não está devidamente definida e abordada na consulta médica, porque obviamente que o médico oncologista, que é a primeira pessoa de eleição para dar essa informação, tem cada vez menos tempo em consulta para aprofundar certas matérias”.
O estudo, aplicado em julho e agosto deste ano pela Associação EVITA — Cancro Hereditário e pela Associação Careca Power e que contou com o apoio da Novartis, mostra que quase metade (46%) das mulheres vive com medo de que o cancro da mama volte, pensando nisso pelo menos uma vez por mês, e que o medo e a ansiedade são os sentimentos mais associados a este tema, afetando a qualidade de vida destas pessoas.
Tamara Milagre sublinha a necessidade de garantir apoio a estas mulheres, “contando com certeza com outros grupos profissionais ligados à área, como é o caso de enfermeiros, de psicólogos e talvez também de assistentes sociais”. “É uma abordagem multidisciplinar que costuma acontecer no caso da doença oncológica, mas a temática específica da recidiva, da recorrência do cancro voltar, não está suficientemente abordada”, alertou.
Estes resultados apontam exatamente para a necessidade de assegurar acompanhamento psicológico e apoio emocional às sobreviventes de cancro da mama, integrando estratégias de gestão da ansiedade e do medo da recidiva nos programas de seguimento.
Os autores do estudo sugerem igualmente que a organização de grupos de apoio e promoção de práticas de bem-estar, como mindfulness e técnicas de relaxamento, poderá ser útil.
Em declarações à Lusa, Tamara Milagre disse esperar que os resultados ajudem a desenvolver “campanhas baseadas na evidência”, lembrando que o mês de outubro é dedicado ao cancro da mama, mas que é preciso continuar a insistir, para além de outubro, no tema da recidiva.
Conta que a Evita vai aproveitar para dar seguimento, com os dados recolhidos, à elaboração de materiais com os dados recolhidos, levando-os aos decisores políticos.
“No mês do cancro da mama fala-se muito sobre o cancro da mama, a deteção precoce (…), e ainda bem, é um tema muito pertinente, mas o cancro da mama tem várias vertentes. Ele pode voltar e pode ser de origem hereditária”, afirmou a responsável, lembrando: “neste caso é perfeitamente prevenível, mas continuamos a falhar bastante nessa prevenção”.
Os dados recolhidos neste estudo indicam que o médico oncologista (91%) é a fonte de informação mais confiável e procurada, mas as mulheres também procuram informações na internet (42%) e junto de outros profissionais de saúde (42%).
A plataforma lançada pela associação Evita — Cancro Hereditário já permitiu a mais de 2.300 pessoas medir o risco de cancro, em mais de 80% dos casos o risco era elevado e foi recomendado que procurassem aconselhamento genético.
Em declarações à Lusa, Tamara Milagre considerou que ainda há “uma grande barreira” no acesso ao aconselhamento e teste genético “por falta de literacia genética nos profissionais de saúde fora da oncologia médica e da genética humana”. Dando o exemplo do médico de família — o profissional mais próximo do utente —, a responsável disse que este profissional, que tem com ele a história familiar da pessoa, “não sabe ao certo reconhecer os padrões”.
“Às vezes pode ser um cancro da mama que está relacionado com um cancro do estômago, ou pode ser um cancro do pâncreas que está relacionado com um cancro da próstata de outro familiar. São padrões complexos e nós tentamos facilitar essa identificação e (…) fazer uma espécie de primeira triagem de quem iria beneficiar ou não de um aconselhamento genético”, explicou.
Explica que na Evita Platform (https://evitacancro.org/evita-platform/) a pessoa pode preencher um questionário de 10 perguntas, que é baseado nas recomendações nacionais do Grupo de Trabalho de Cancro Hereditário da Sociedade Portuguesa de Oncologia e que conseguem abranger qualquer síndrome de cancro hereditário.
“São questões gerais, por exemplo, se teve na sua família uma pessoa com mais do que um cancro primário”, explicou a responsável, dando como exemplo concreto o caso de alguém que na família tiver quem tenha tido um cancro da mama e, mais tarde, um cancro dos ovários.
Se o utilizador responder sim a uma das 10 perguntas, a Evita recomenda que se procure aconselhamento genético que, no futuro, pretende proporcionar também dentro da plataforma, “num espaço seguro, numa ferramenta integrada para fazer telemedicina em videochamada com a nossa médica geneticista”.
Outro dos serviços que a Evita Platform quer disponibilizar no futuro, através da telemedicina, é o aconselhamento psicológico, que “anda de mãos dadas com o risco de cancro ou com o diagnóstico de cancro”. “Pode vir a próxima pandemia que a pessoa nunca mais fica abandonada, como aconteceu em 2020, como todos vimos”, acrescentou.
A proposta para estes serviços de teleconsulta já foi feita ao Ministério da Saúde, para que seja feita com o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“O SNS tem aqui uma ferramenta única, feita e paga. É só pegar nela e aproveitar para aumentar a resposta, que está extremamente fraca no nosso sistema”, contou Tamara Milagre, acrescentando: “não seria muito prudente não aproveitar essa ferramenta, que aumenta a resposta e consegue prevenir diagnósticos em idade precoce”.
A plataforma tem já 3.215 utilizadores, dos quais 2.310 fizeram o teste. Destes, 1.872 (81%) tinham risco elevado. “Isto prova que as pessoas querem saber”, disse a responsável, explicando que a Evita conseguiu já encaminhar centenas de pessoas que “de outra forma teriam caído pela rede do sistema” e só seriam “apanhadas” quando começassem a ter sintomas.
Tamara Milagre lembra que o cancro hereditário “é o mais caro de todos”: “surge no auge da produtividade, da idade fértil, e nós deixamos estas pessoas ficarem doentes, ainda por cima, com alguns diagnósticos tardios, porque a própria pessoa, não conhecendo a sua predisposição [genética], pode não valorizar os sintomas”.
Explicou que, neste momento, quem faz o teste na plataforma e recebe como resultado a indicação de que tem risco elevado de ter cancro, o conselho é para que leve os dados ao médico de família. “Assim a pessoa já poderá ter uma ideia sobre se beneficiaria do aconselhamento genético. Só o médico faz o diagnóstico”, sublinha.
Os últimos dados do Globocan — conjunto de estimativas globais sobre a incidência e mortalidade do cancro, fornecido pela Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) — indicam que há todos os anos 70.000 casos de cancro em Portugal, 7.000 dos quais de cancro hereditário. Isto significa que, por dia, são identificadas 19 pessoas com cancro hereditário.
observador