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Concílio de Niceia, Leão XIV e a sinodalidade

Concílio de Niceia, Leão XIV e a sinodalidade

No final deste mês de julho de 2025, celebram-se os 1700 da conclusão daquele que viria a ser considerado o Primeiro Concílio Ecuménico (aberto a todos os Bispos da Igreja): o Primeiro Concílio de Niceia (localidade que está situada na margem oriental de um lago na atual Turquia asiática e a 20 quilómetros a Sudoeste da atual Istambul).

Hoje, a maioria de nós (herdeiros, fiéis ou abjurados, do que lá se passou e permitiu o surgir da civilização dita ‘Ocidental’) ao ouvir “Niceia” não entende nada. É pena. Mas a cada um o direito à sua ignorância e à sua cegueira que, a respeito de tal Concílio e durante anos, foi aproveitada por seitas e autores desesperados para distorcerem a história.

Coevamente, essas distorções já não passam pelo crivo da sabedoria de quem possui uma cultura geral mediana. Deformações como declarar que foi nesse evento que se disse pela primeira vez que Jesus é Deus; que esta afirmação foi imposta pelo Imperador Constantino I; que o Credo lavrado no decurso de tal reunião conciliar não tinha fundamentos bíblicos; etc.

Em especial, apontava-se que a palavra-chave desse Credo (‘homoousios’) tinha uma proveniência e um sentido gnóstico (movimento parasitário do Cristianismo que se serviu deste para estruturar a “mixórdia de temáticas”, provindas de quase os quadrantes, que veiculava).

Quanto à proveniência, é um facto que o termo ‘homoousios’, tanto quanto sabemos nos nossos dias, foi primeiramente usado por gnósticos, mas em Niceia esse movimento já não a usava. Quanto ao sentido, é totalmente falso. Nunca algum gnóstico quis dar a essa palavra grega o sentido que foi dado em Niceia, fruto, num último estádio, do labor de Ósio de Córdoba e de Alexandre de Alexandria para traduzirem o ‘consubstantialem’ latino (lavrado e veiculado, mais de 100 anos antes, por Tertuliano de Cartago).

Mais: esses termos (seja o grego usado em Niceia, seja o latino mais antigo) traduzem perfeitamente (e esse foi o sentido ortodoxo desejado para ele, não obstante as fátuas manipulações linguísticas posteriores operadas pelos opositores dessa ortodoxia) o «Eu [Jesus] e o Pai somos um» de Jo. 10,30. Na verdade, o “um” surge no género neutro grego, o que aponta para uma igualdade absoluta a respeito da essência natural (da divindade) de Jesus e do Pai. Eis, então, o sentido desejado para o «consubstancial» niceno.

Mas não é sobre esse termo que desejo continuar a escrever, antes, acicatado por um discurso de Leão XIV há já um mês aos Bispos italianos, quero chamar a atenção para a palavra «apostólica» que é empregue no Credo de Niceia como traço essencial e constitutivo da Igreja. Porquê? Porque ele aponta, como bem viu o Segundo Concílio do Vaticano, para uma ‘apostolicidade’ que este concílio traduziu por “colegialidade”.

Com efeito, é preciso fazer-se uma ginástica tremenda (tentada, por sinal, por ‘personnalités célèbres’), para se dizer que “colegialidade” e “apostolicidade” são sinónimos puríssimos de “sinodalidade”. Não são. Isso vê-se, desde logo, no facto de as pessoas reunidas em Niceia terem dito que a Igreja é «una, santa, católica e apostólica» (e não “sinodal”) e de os participantes no Segundo Concílio do Vaticano terem falado de “colegialidade” (e, mais uma vez, não de “sinodalidade”).

Leão XIV esclareceu, naquele mencionado discurso (que ainda não está traduzido para português, donde a tradução do italiano é da minha exclusiva responsabilidade), a diferença evidente entre o que é essencial e focal, do que é instrumental e operacional. Ora sigamos o seu pensamento com cuidado e brevidade.

Desde logo, e quase no início da transcrição do discurso de Bento XIV, podemos ler: «no exercício do meu ministério [Petrino] convosco, caros irmãos [Bispos], gostaria de me inspirar nos princípios de colegialidade desenvolvidos pelo Segundo Concílio do Vaticano» (…) «É desta forma que sois chamados a viver o vosso ministério: colegialidade entre vós e colegialidade com o sucessor de Pedro» (§3).

Já a findar o seu pronunciamento, e depois de indicar as prioridades do labor episcopal, o Papa elucida: «avançai na unidade, pensando sobretudo no Caminho Sinodal. (…) Que a sinodalidade se torne uma mentalidade, nos nossos corações, nos nossos processos de decisão e nos nossos modos de atuar» (§12).

A ordem da colocação, no texto do Papa, dos termos de “colegialidade” e de “sinodalidade” não me parece minimamente casual. Pelo contrário: a colegialidade apostólica (da qual já quase ninguém fala) ressurge como uma realidade basilar da eclesiologia, depois do desvalorizar dos Bispos individuais face a diversas instâncias. A saber: i) a hipertrofia papal do Primeiro Concílio do Vaticano; ii) o “Sínodo dos Bispos”; iii) e as “Conferências Episcopais”

(Nota ‘en passant’: o dito autoritativamente por um Bispo tem mais valor [para as pessoas a quem foi chamado a servir] do que as determinações das duas últimas instâncias que acabei de referir, pois, ao contrário destas, o episcopado apostólico é de origem divina).

Pois bem, o mencionado “ressurgir” da “colegialidade” aponta que ela é um princípio fundacional e fundamental, enão uma propriedade entre outras (nem algo congeminado e situado historicamente). Ela é um elemento primigénio que, além do mais, foi e é desejado pelo próprio Jesus (cf. §12): uma comunhão espiritual, com Pedro e sob Pedro para em cada época se orar o que é necessário para se realizar a Igreja e a sua missão (conforme ditas há 2000 anos por Cristo).

A “sinodalidade”, por seu lado, é apontada como sendo uma mera qualidade da Igreja; como sendo um ‘meio’ e não uma ‘meta’. Um ‘meio’ e caminho para se viver a “colegialidade” e se atingir a dita ‘meta’: a unidade em Cristo Jesus. Para o Papa Leão, o sentido autêntico de “sinodalidade” é o etimológico: “caminhar em comum”, não sendo o tudo eclesial expresso por ela. A “sinodalidade” não tem qualquer valia em si mesma, antes está em função da aludida ‘meta’.

No fundo, Leão XIV diz: “a ontológica colegialidade apostólica deve ser vivida com uma mentalidade sinodal, de modo a que todo o corpo episcopal viva a, e em, unidade”, e isto também (atrever-me-ia eu a acrescentar) para que este desejo de unidade de Cristo seja, assim, uma realidade entre todos os membros da Sua Igreja e não um filho de Morfeu.

Regressando a Niceia, agora na moldura que apresentei acerca da relação “colegialidade” e “sinodalidade”, vemos que, quando se deixa o Espírito estar vivo na Igreja a que anima, a fé ortodoxa permanecerá sempre, independentemente das conjunturas.

Há 1700 anos não se permitiu (como se isso fosse possível, pois quem sai da ortodoxia da Igreja nunca a esta pertenceu [cf. 1Jo. 2,19]): romper ontologicamente a Igreja; e negar a verdadeira e plena divindade de Deus-Filho e da natureza divina desse Deus-Filho incarnado (Jesus). Hoje, Leão XIV está a envidar esforços para que ninguém se equivoque e rompa a “Convocada (para a Comunhão)”, invertendo a relação “colegialidade” – “sinodalidade”.

Os Padres de Niceia livraram os seguidores de Jesus do erro, aguaritando-nos na genuína fé de Cristo; hoje (parece-me), Leão XIV vai na linha deles. E se àqueles Padres devemos recordá-los continuamente com alegria e gratidão (sabendo que nenhum dos Batizados dos nossos dias seria cristão sem os seus esforços), é a minha crescente convicção que o mesmo é oportuno para o atual Papa (que está a tornar a “sinodalidade” mais salubre).

observador

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