Como Dawn Staley se tornou uma pioneira no basquete feminino

Apesar de ser tímida na infância, Dawn Staley estava condenada se deixasse isso atrapalhar seus sonhos de se tornar uma atleta olímpica. A garota excepcionalmente reservada da Filadélfia nunca vacilou em sua vontade de jogar basquete feminino profissional — isso numa época em que nem existia a WNBA. Ela interceptava qualquer crise de timidez mantendo o foco no objetivo final: representar seu país nos Jogos Olímpicos. A estratégia funcionou: Staley, 55, tem quatro medalhas de ouro em seu nome: três como atleta e uma como técnica da seleção dos Estados Unidos (entre uma miríade de outros prêmios). "Sou extremamente tímida, mas já tive experiências suficientes para estar 'ligada' sempre que preciso estar 'ligada'", diz ela.
Estar "ligada" não é apenas jogar ou falar sobre o jogo: para Staley, também significa resistir a qualquer coisa que não se alinhe com seus valores como mulher negra sobre o jogo. "Não me importo de lutar", escreve ela em seu novo livro de memórias, Uncommon Favor: Basketball, North Philly, My Mother, and the Life Lessons I Learned From All Three , "Sinto que estou constantemente lutando contra algo. Injustiça social, desigualdade salarial, disparidades no tratamento de atletas universitários e profissionais femininos e masculinos, intolerância. Tenho lutado a vida toda. É uma segunda natureza para mim." Ela nunca recuou da luta. "Sinceramente, eu acolho isso", acrescenta. "Preciso de oposição na minha vida. Ela me afia como uma lâmina contra uma pedra de amolar. Ela reduz meu foco na tarefa em questão."
Quando menina, Staley morava com a família no conjunto habitacional Raymond Rosen, no norte da Filadélfia, mas, na verdade, vivia a maior parte do tempo dentro de sua concha. Ser a caçula de cinco filhos na casa geminada significava que havia muita idas e vindas: tudo era uma competição e ela estava sempre perdendo. Podia ser qualquer coisa, desde quem entrava primeiro no banheiro pela manhã até quem pegava o telefone à noite. "Posso ter nascido competitiva, mas meu ambiente definitivamente colocou mais lenha na fogueira", escreve ela. Por estar na base da hierarquia familiar, a introvertida dentro dela não se importava em ser invisível: "Eu era intensamente retraída".

Staley na sexta série.
Staley não herdou a personalidade da mãe. Estelle Staley era uma membro sociável e ativa da comunidade. "Minha mãe amava as pessoas", diz ela. "Ela fazia qualquer coisa por qualquer pessoa — até demais. As pessoas se aproveitavam dela e ela sabia disso. Mas ela permitiu que isso acontecesse porque fez essa escolha. Seu coração estava no lugar certo."
Em casa, porém, ninguém conseguia superar Estelle. Se uma criança, cuja vez de lavar a louça naquela semana não a lavasse até ela voltar do trabalho de limpeza, a louça era literalmente jogada no chão, uma a uma. Isso significava o dobro de limpeza para o culpado.
A natureza confinante de sua casa caótica e lotada obrigava Staley a se expressar, pelo menos fisicamente, em outro lugar: na quadra de basquete local. "O basquete era eu falando", escreve ela em Uncommon Favor . "Eu era livre. Havia espaço para respirar... Para libertar a pessoa que eu ansiava por ser." Como torcedora fervorosa do Philadelphia 76ers, "a única coisa para a qual eu realmente olhava enquanto crescia era a NBA", ela me conta. "Eu só sonhava com as coisas que via."
Observar Hank Gathers pessoalmente alimentou a crescente obsessão de Staley, de 11 anos. Gathers, falecido jogador de basquete universitário do Loyola Marymount Lions na Conferência da Costa Oeste (WCC), onde foi eleito Jogador do Ano, cresceu nos mesmos conjuntos habitacionais que Staley. "Costumávamos frequentar o mesmo centro recreativo", explica ela. O jogador estrela de 2,01 m jogava duro, mas era gentil com as crianças que atrapalhavam seus jogos, principalmente Staley. "Se Hank e seus amigos estivessem jogando de um lado da quadra, eu corria para o lado da cesta em que eles não estavam jogando", diz ela. "Mas eles se apressavam e recuavam em uma situação de contra-ataque, então eu tentava pegar minha bola da quadra antes de interromper o jogo deles."

Staley com sua mãe na inauguração de um mural.
Gathers, que desmaiaria na quadra da faculdade aos 23 anos devido a um problema cardíaco (“Ele deu seu último suspiro fazendo exatamente aquilo que amava”, lembra Staley), notou o talento de Staley e convenceu os outros rapazes a deixá-la jogar com eles. Juntar-se aos grandões do centro recreativo fez Staley ingenuamente acreditar que um dia poderia jogar com os grandões da NBA. “Quando eu estiver crescendo, estou trabalhando para ser armadora dos Sixers. Conforme fui crescendo, percebi que isso não estava nos meus planos, então o que viria a seguir? Era algo que eu via outras mulheres fazendo e foi daí que surgiram meus objetivos de ir para a faculdade e jogar basquete naquele nível”, diz ela. “Isso me deu um caminho a seguir e me ajudou a manter o foco longe das muitas distrações que os projetos de Raymond Rosen apresentavam.”
Staley começou a ver a prova de que estava no caminho certo já na oitava série: uma carta de interesse do Dartmouth College. Em retrospecto, ela consegue ver que a carta era simplesmente um convite para um acampamento de basquete — um entre centenas enviados a estudantes de todo o país —, mas, na época, Staley a viu como o primeiro degrau na escada para o seu destino.
Uma coisa levou à outra. Durante um jogo do torneio da liga de verão no Temple McGonigle Hall, enquanto estudava na FitzSimon's Junior High School, Staley marcou 25 pontos, deu 10 assistências e roubou 10 bolas. John Chaney, o técnico do time masculino de basquete, ficou tão impressionado com o jogo dela que ela foi convidada para participar de seus acampamentos de basquete misto de uma semana. Lá, ela se viu em uma nova companhia, entre colegas determinados a jogar. Staley fez mais do que isso: incentivou seu time a se esforçar mais e a ser melhor. O encontro com Chaney se tornaria ainda mais memorável: anos depois, ela treinaria ao lado dele quando assumiu o comando do Temple Owls.
“Percebi que tinha que 'jogar bola' para jogar bola.”
Como vencer era fundamental, ela não tinha problema em ser treinável. Se dar bem com as meninas do seu time era outra história. À medida que passava de competir com os meninos para jogar em times exclusivamente femininos, Staley sentia que suas colegas femininas eram decepcionantes. Elas eram muito mais suaves do que ela: os passes de Staley eram mais fortes e ela revirava os olhos para as meninas que se contraíam e apertavam as mãos com a dor da bola quando ela era passada para elas. Ela sentia que elas não levavam o jogo tão a sério quanto ela. "Eu tinha sido forjada nas quadras dos conjuntos habitacionais, enfrentando todos os caras... Eu tinha que me provar e ser exponencialmente melhor só para conseguir um convite para a festa", escreve ela.
Logo, ela começou a jogar com garotas de sua própria liga. Quando era adolescente, o agente de transmissão da Filadélfia, Sonny Hill, convidou Staley para jogar em suas competições regionais. As garotas que ela enfrentou tinham a mesma fibra que ela — e também lendas em formação: Yolanda Laney, Linda "Hawkeye" Page e Marilyn Stephens-Franklyn. Ela também se juntou a times itinerantes (Estelle obrigava a irmã mais velha de Staley, Tracey, a levá-la a todos os jogos), o que lhe deu uma noção de todos os tipos de locais e públicos, ajudando-a a se tornar uma jogadora completa.
Quando começou o ensino médio na Murrell Dobbins Career and Technical Education High School, Staley já era considerada uma das melhores jogadoras do país, com média de 34 pontos por jogo. Seu time não perdeu um único jogo durante todo o ensino médio e ela conquistou o título de melhor jogadora do ano no ensino médio. Durante essa ascensão, Staley foi inundada com centenas de cartas de faculdades, bem como solicitações de recrutadores. A Universidade da Virgínia e a Universidade Estadual da Pensilvânia, ambas as quais a cortejavam desde a oitava série, eram as principais candidatas em sua lista. Ela acabou optando por uma bolsa de estudos da UVA porque não queria ir para uma universidade que já tivesse vencido um campeonato nacional. "Eu queria fazer parte da construção de um legado."

Staley treinando na Temple University.
Na faculdade, sua cabeça estava muito focada no jogo. Outros aspectos de sua vida sofreram como resultado: ela era antissocial e suas notas estavam longe de ser ótimas. Isso colocou sua bolsa de estudos em risco e, quando foi chamada à sala do reitor, onde Debbie, sua treinadora, lhe disse para ser charmosa e se conectar com ele para que não fosse expulsa, Staley não conseguia nem fazer contato visual. Depois de algumas gentilezas, o reitor disse que ela teria que começar a se conformar ao modo como as coisas eram feitas na UVA. Não parecia importar que ela fosse uma armadora única em sua geração. A North Philly nela não aceitou a palavra conformar. Ela não estava disposta a "beijar a bunda desses brancos preppy, esses idiotas elitistas". Em retrospecto, ela diz que a escolha das palavras é tudo. Se o reitor tivesse usado as palavras "ajustar" ou "pivotar", Staley poderia ter sido mais receptiva no momento. “Mas estávamos em 1989. Treinadores e diretores... não estavam alterando seu vernáculo para evitar ofender as crianças. Era uma época diferente. Ninguém se importava se você fosse insultado ou magoado”, escreve ela. Debbie precisava fazer um grande controle de danos. Mesmo assim, Staley sabia que precisava se recompor. “Percebi que precisava 'jogar bola' para jogar bola.”
Quando se formou em 1992, as oportunidades para mulheres jogarem basquete eram limitadas. Staley se lembra de um colega que foi eleito o jogador universitário masculino do ano em 1992: ele havia assinado um contrato de US$ 80 milhões com a NBA. Staley, por outro lado, trabalhava no varejo dobrando camisas, ganhando algumas centenas de dólares por semana. Não havia WNBA e ela tinha contas a pagar: "Eu estava sobrevivendo", diz ela. Ela já estava se sentindo desanimada: alguns meses antes, havia ido a um centro de treinamento olímpico para competir por uma vaga na equipe feminina de basquete. Ela achou que tinha conseguido, mas foi cortada da lista. A decisão parecia política. "Eu não conseguia dizer nada, mas minha bolha estava falando alto", diz ela. Disseram que eu era muito baixo e que não tinha experiência internacional suficiente. Pois é, colocaram alguém no time que era mais baixo do que eu e que nunca tinha ido jogar no exterior. Mas a questão é a seguinte: posso dizer que é uma questão política e não fazer nada, ou posso fazer alguma coisa a respeito.
Staley não podia fazer nada em relação aos seus 1,65 m de altura, mas conseguiu se consolidar no exterior. Enquanto esperava uma vaga, continuou trabalhando no varejo e se manteve pronta para o basquete, mas também se esforçou para desenvolver mais força mental e se livrar da raiva residual. Finalmente, cinco meses depois, surgiu uma oportunidade de emprego em Segóvia, na Espanha.
"Eu não queria olhar para trás. Queria compartilhar aquele espaço e despejar aquela energia nos meus jogadores."
Três anos jogando no exterior lhe renderam o mesmo número de medalhas de ouro — uma delas, sua primeira medalha de ouro olímpica nos Jogos de Atlanta 1996. Ela se lembra de praticamente balançar de alegria enquanto a equipe de medalhas olímpicas descia até a linha da equipe dos EUA. Quando estavam prestes a enfeitar a medalha em seu pescoço, Staley não se conteve: "Me dá a minha! Me dá a minha!", repetia sem parar. "Era tão a cara do norte da Filadélfia da minha parte", lembra, divertida. Mais tarde, ela daria a medalha de ouro para a mãe.
Algumas semanas após a vitória, Staley se lembra de ter sentido uma depressão se instalando. O mundo esperava que ela estivesse comemorando, mas ela não queria mexer o corpo nem um pouco. Ela havia alcançado o sonho de sua vida, e agora? O lado competitivo parecia tê-la deixado. O técnico da Liga Americana de Basquete (ABL) a apoiou e a incentivou a tirar um tempo para si mesma em vez de voltar imediatamente aos treinos, apesar da pressão. Staley sempre se lembrou dessa gentileza e fez questão de retribuí-la.
O jogo continuou. Alguns anos após a criação da WNBA, Staley foi selecionada no draft de 1999 — ela se tornaria cinco vezes All-Star da WNBA — jogando principalmente pelo Charlotte Sting, mas também pelo Houston Comets. Pouco tempo depois, ela também se tornou técnica principal da Temple University. Mais duas medalhas de ouro olímpicas foram adicionadas ao seu arsenal: Sydney 2000 e Atenas 2004.

Staley na Filadélfia com sua medalha de ouro olímpica.
Staley se aposentou da WNBA em 2006 por causa de uma vontade insistente de se dedicar de corpo e alma à carreira de treinadora. "Na verdade, joguei e sacrifiquei meu corpo por um ano a mais do que deveria para poder tirar o basquete do meu sistema", diz ela. "Eu não queria olhar para trás. Queria compartilhar esse espaço e despejar essa energia nas minhas jogadoras."
Staley é técnica principal do South Carolina Gamecocks desde 2008. Em 2021, conquistou seu quarto ouro olímpico, desta vez como técnica principal da seleção dos EUA. Originalmente, ser técnica não estava nos planos de sua carreira. "Nem sequer era uma ideia", diz ela. "[Mas] eu queria ser uma comerciante dos sonhos para os jovens", diz ela. "Ganhamos campeonatos nacionais; o que isso representava era muito mais do que apenas mais uma jogadora ou ex-atleta. Era mais como uma mulher negra que nunca havia sido técnica principal de uma equipe olímpica: era a representação de ser a primeira a abrir portas para os outros passarem."
“Temos que continuar a gritar a plenos pulmões para conseguir o que merecemos.”
Quando seu time levou para casa o ouro, Staley prestou homenagem a Carolyn Peck — a primeira técnica negra a vencer um campeonato feminino da NCAA. "Carolyn me deu um pedaço da rede dela dois anos antes de vencermos, como um símbolo", diz ela. "Foi a maneira dela de dizer: 'Você está perto, você está perto. Este pedaço de náilon será um raio de esperança para você. Quando você achar que não consegue, toque neste pedaço de náilon e saiba que alguém que se parece com você conseguiu.'"
Em janeiro passado, Staley se tornou a técnica mais bem paga da história do basquete feminino ao aceitar uma extensão de contrato de US$ 25,25 milhões para a temporada universitária de 2029-30. "Deveria haver mais pessoas sentadas onde eu estou", diz ela. "Técnicas que serviram ao nosso esporte por décadas não receberam o que merecem. Quando você se posiciona em busca de igualdade salarial, encontrará resistência." Qualquer timidez — terminal ou não — não tem lugar na mesa: "Temos que continuar gritando a plenos pulmões para receber o que merecemos."
elle